No início dos anos 90, fui trabalhar com instrumentos vintage, usados e raros em Tóquio. Na referida loja, conheci um sujeito chamado Naofumi Yasuhara, um expert no assunto.
Ele era um cara sizudo, caladão e nem sempre disposto a ensinar. Intimidado a princípio, nem arrisquei conversar com ele. Mas um belo dia, o sujeito desandou a falar comigo e...assim – iniciei o aprendizado sobre instrumentos antigos, vintage, raros e principalmente, os bizarros.
Naofumi detestava o mundo bizarro. Mas detinha um conhecimento assombroso em relação à história e as marcas. Eu não sabia quase nada.
Nossa loja estava sempre bem abastecida de guitarras oriundas dos Estados Unidos. O material era adquirido em eventos denominados de “guitar show” e de lojas especializadas. Ficava fascinado em ver e tocar aqueles instrumentos toscos, de construção simples, visual estranho e timbres finos.
“Guitarras Bizarras” fazem parte de um universo paralelo. Talvez não sejam artefatos musicais que gozam da simpatia da maioria dos guitarristas. Mas a bizarrice chama atenção e também faz parte da história das cordas.
Gênese
No início dos tempos da guitarra elétrica, os equipamentos diferentes de marcas como a Gibson, Fender, Gretsch, Epiphone, Rickenbaker, eram produzidos como instrumentos de baixo custo, oriundo de mercados produtores da própria gringolândia, Europa e da terra do sol nascente.
Da Europa, marcas inglesas como a Vox e Watson eram trazidas para a América e vendidas por preços econômicos. A Vox fabricava guitarras na Itália (para fugir das altas taxas do fisco inglês), na mesma fábrica onde
eram produzidas guitarras de marcas como Eko, Goya e Elektra.
A Silvertone, por exemplo, foi uma das pioneiras marcas a invadir a América. Fabricada no Japão pela Teisco, essas guitarras eram vendidas na loja Sears pela módica quantia de 30 a 55 dólares (uma Fender Stratocaster custava na época, em torno de 240 doletas).
Ou seja, outrora considerados como instrumentos de baixo custo, hoje em dia, agregam um novo conceito: de instrumentos antigos, raros ou bizarros.
De outros mercados como Rússia, Suécia e Inglaterra, além de bizarros, alguns instrumentos eram de aparência hilária
Pioneiros
A marca Teisco é uma referência obrigatória em termos de guitarras bizarras. A companhia que as fabricou, surgiu em 1946, a Aoi Onpa Kenkyujo. Em 1952, fabricaram a primeira guitarra semi-sólida com captadores eletromagnéticos e durante todo o período da década de 50, a Teisco produziu cópias baratas de instrumentos americanos. Diga-se Gibson e Fender. Apenas os modelos semi-acústicos apresentavam um desenho diferenciado, mas “levemente” influenciado pela “american way of life”.
Na metade dos anos 60, a Teisco produziu instrumentos sólidos com design bizarros. Considerados como instrumentos ridículos pelos gringos, essas guitarras japonesas baratas mordiscaram uma fatia minúscula no mercado. Mas em razão do chauvinismo cultural da época, não vingaram em termos comerciais. Hoje em dia, são cultuadas e disputadas por colecionadores compulsivos.
As guitarras da Teisco podem ser encontradas com varias nomenclaturas e logotipos diferentes. Alguns exemplos: Teisco, Teisco Del Rey, Kawai, Kingston, Kent, Heit, Kimberly e Silvertone.
Tive a oportunidade de tocar e posteriormente, vender muitas guitarras da Teisco. No mercado japonês, o preço varia em média de 300 a 800 dólares, dependendo do modelo e do estado de conservação.
Na América, 150 a 200 dólares, é possível comprar uma Teisco velha em bom estado. Os modelos mais disputados como uma Teisco “May Queen” de 1968 custa em torno de 1500 doletas.
A primeira Teisco que me apareceu foi uma “Del Rey” Firebird, aliás, muito tosca com desenho ergonômico bem estranho. O preço? Vendida por 500 dólares com case original de época.
Para quem gosta de Teisco ou para quiser conhecer, acesse: http://www.teiscotwangers.com/
Referências
De certa forma, os instrumentos da Teisco ajudaram a re-definir alguns conceitos de mercado. Se na época, as marcas de baixo custo que transitaram paralelas aos fabricantes como Fender, Gibson, Gretsch e Rickenbaker, ofereciam preços mais baixos, ofereciam também um conceito visual distante do padrão Strato/Les Paul.
Fazendo um à parte, nunca gostei de Rickenbaker, considero-os bizarros no mal sentido. Ou seja, toscos e ruins de construção. Meu amigo Naofumi idem...
Mas o universo bizarro não se restringe apenas em instrumentos da Teisco ou da Vox. Bolamos uma listinha interessante. Alguns “brands” serão familiares, mas outras nem tanto.
Pois é, são marcas e sub marcas que fizeram a história dos instrumentos das décadas de 50, 60 e início de 70.
Alamo, Kay, Valco, Harmony, Hagstrom, Guild, Stromberg, Mosrite, Baldwin, Larson, Supro, Gilchrist, Burns, Goya, Electra, Eko, Norma, Framus, Davoli, Galant, Egmond, Crucianelli, Levin, Marius, Zerosette, Orfeus, Hohner, Polverini, Dixon, Maya, Aristom, Dynacord, Welson, Gemelli, E-Ros, Excelsior, Melody, Wandre, Sekova, Crest, Univox, Bigsby, Ampeg Dan Armstrong, Maccaferri, Veleno, Kalamazoo, Danelectro, Dynelctron, Watson, Hofner, Airline, Fasan, Migma, Klira, Wilson, Harvey Thomas Guitars, Micro-Frets, Orpheum, Aelita, Amka, Watkins, Hoyer, Shiva, Mastro e Oahu.
E algumas marcas nipônicas como:
Guyatone, Kawai, Firstman, Galan, Hondo, Aria Pro, Tokai, Maya, Eros, Hitachi, Galama, Gaban, Navigator, Greco, Bunny, Thunder, Fresher, Joodee, Gibbon, Hisonus, Hosono, Westminster, Weldone, Sakura, Sakai, Stagg, Winston, Kasuga, Pro-Ceed, Fernandes, Rokugen, Alpha e Riverhead.
Não são tantas marcas, mas a maioria das citadas passou pelo nosso crivo no Japão. Foram guitarras que proporcionaram o resgate de pedaços da história da guitarra.
Arquitetura e Sons
Em termos de design, os americanos optaram por formas pomposas e coloniais. A maioria dos fabricantes é proveniente do leste europeu, ou seja, do lado anglo-saxão. Daí, explica-se a suntuosidade de algumas marcas e a simplicidade exagerada de outras. Sem “meio-termos”.
Os japoneses sempre copiaram os americanos, mas a redenção veio com as marcas Teisco e a Navigator. Ambas revolucionaram em termos de conceito e as citações futuristas, hoje em dia, são reverenciadas.
Os italianos, que sempre se gabaram de serem os papas do designer, não fizeram tanto estardalhaço. Apenas algumas boas idéias e mais nada.
Já com relação aos ingleses, produzir “coisas feias” como as guitarras Watson e Watkins, como dizia meu amigo Naofumi: “Precisaria melhorar muito para serem chamadas de ruins ou bizarras. E ainda: serem consideradas de qualidade duvidosa”.
Em relação ao timbre, as guitarras bizarras flertam melhor com sonoridades de rock clássico, punk, blues e pop. As bizarras passam longe do metal. Antes que alguém reclame, coisas como B.C. Rich, Kramer, Hamer, Jackson e outros....só valem para os anos 80...São bizarrices oitentistas que veremos numa próxima matéria. E falando de bizarrices dos anos 70 e 80, tanto a Gibson e a Fender também produziram “coisas bizarras” nesses períodos. Nem mesmo as citadas grandes companhias ficam imunes a isso. Quem sabe num futuro oportuno, falarei disso mais detalhadamente.
Voltando ao timbre, era muito raro encontrar uma guitarra bizarra de época com a parte elétrica saudável. Os captadores eram ruidosos, de baixo ganho e produziam sons magros e finos. Os componentes sugerem uma viagem a época retrô. Os botões ou knobs de controles de uma Teisco antiga, por exemplo, são peças dignas de serem encontradas em qualquer feirinha de antiguidade. Pontes, tarraxas e escudos são sempre diferenciados, visualmente estranhos e distantes do senso comum.
Bizarro ou Não
Mas qual seria a verdadeiro significado para bizarro? O sábio Aurélio diz: nobre, garboso, extravagante e esquisito.
Nobre e garboso para uns, esquisito e pobre para outros. A definição do Aurélio veste cada gosto e...gosto a gente não discute.
Imagine encontrar uma guitarra cópia de uma Gibson Les Paul com o logotipo Gibbon (isso mesmo, existe mesmo)? Não deixa de ser bizarro, é uma forma de bizarrice subliminar.
Bizarro é aquele instrumento que agrega elementos visuais (retrô ou futurista), apetrechos técnicos diferenciados e sentimentos que vão do céu ao inferno em menos de um segundo...ou seja, ou você ama, ou você detesta...
Se para alguns uma Navigator japonesa modelo Char é considerada bizarra, o que dizer do violão/lira Maccaferri/Mozzani de 1916? Ou mesmo da guitarra Veleno modelo Traveler feita para o guitarrista Mark Farner do Grand Funk?
Essa coisa de bizarro é muito pessoal. Lembram da guitarra Hamer de 5 braços do guitarrista Rick Nielsen do Cheap Trick? E da guitarra do finado guitarrista do Foghat (Lonesone Dave Peveret) toda quadrada? E qualquer guitarra de 2 ou mais braços do Michael Ângelo?
Para os puritas e tradicionalistas, as guitarras bizarras são perda de tempo ou dinheiro jogado fora. Para os que as cultuam, não existe nada mais aborrecido e comum que uma Fender Stratocaster ou uma Gibson Les Paul.
Para quem simpatiza, separei links bem interessantes:
http://www.fetishguitars.com/
http://www.vintageguitar.com/
http://www.italiaguitars.com/
http://www.vintaxe.com/
http://www.edromanguitars.com/
http://www.voxshowroom.com/
http://www.hagstromguitars.com/
http://www.tymguitars.com.au/
Naofumi me disse uma vez. “Um bom equipamento seria: uma boa Gibson Les Paul, uma boa Fender Strato ou Telecaster, um violão Martin e uma guitarra com ponte Floyd Rose. Mas se você estiver entediado...compre uma guitarra bizarra”.
fotos: Henry Ho
2 comentários:
_|_>>> Porra! muito bom o texto! vlw! ahuauahua tá aki um fã de guitas bizarras!
Espeto!
muito bom o texto. adoro guitarras exoticas feitas pelo mundo, fiz um blog com algumas das nossa marcas brasileiras. abraço
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